Será que os programas de trainees estão entrando em declínio?

outubro 20, 2015

Em meio a conversas informais regadas a café expresso, noto que há bastante frustração com relação aos programas de trainees, tanto por parte das empresas que fazem esse tipo de investimento, quanto por parte dos jovens profissionais que decidem usá-los como meio de iniciar suas carreiras.

Será que os programas de trainees estariam em declínio?

Na falta de estatísticas confiáveis, resolvi perguntar ao oráculo (também conhecido como Google) o que ele teria a dizer sobre essa questão. Em meio a uma avalanche de anúncios e a dicas de como ser aprovado em processos seletivos, consegui traçar o gráfico abaixo. A imagem não oferece uma resposta definitiva, mas mostra claramente que o número de buscas pelo termo “trainee” no Brasil tem caído significativamente desde 2005. A título de curiosidade, os picos anuais estão sempre em agosto e setembro de cada ano – algo que não surpreenderá quem acompanha o calendário de eventos de seleção.

 

Buscas por programas de trainee
Buscas por “trainee” no Brasil – Fonte: Google.

Como disse, a informação acima não é suficiente para extrair uma conclusão definitiva e, nem de longe, serve para decretar o fim dos programas de trainees. Mas, quem sabe, uma tendência, mesmo que discreta, já pode ser observada.

Por que a frustração?

Frustração emerge quando a realidade é inferior à expectativa. Falando em programa de trainees, a frustração já fez com que algumas empresas suspendessem tais programas para focar em outras iniciativas. Também não é difícil imaginar – especialmente olhando o gráfico acima – que muitos recém-formados têm preferido iniciar suas carreiras de outra forma. Basta conversar com o pessoal que está saindo de faculdades de primeira linha para ver algumas mudanças.

O que deu errado com os programas?

Para investigar a raiz do problema com os programas de trainees, vale à pena entender o que a palavra significa. “Trainee” – para dizer o óbvio – refere-se a alguém que está em treinamento, mas o significado na prática tem ficado cada vez mais vago. O mais pertinente é perguntar: Em treinamento para quê?

Os programas de trainees parecem ter se despegado de sua essência original, que era treinar pessoas para assumirem funções estratégicas em uma empresa. Hoje, o significado não é o mesmo de 10 ou 15 anos atrás. Programa de trainees virou um sinônimo de recrutamento de jovens recém-formados e sua diferenciação com relação a outras iniciativas de recrutamento e seleção – que era a de preparar sucessores para posições estratégicas – acabou se perdendo.

O resultado disso tudo é que hoje temos duas grandes categorias de programas que recrutam e treinam profissionais recém-formados. São muito diferentes entre si, mas usam o mesmo nome. A figura abaixo ilustra esse ponto que será desenvolvido a seguir:

Nem todos os programas de trainees nascem iguais
Algumas diferenças entre programas de trainees – Fonte: Instituto Pieron

Falando em frustração, qual é o pior cenário possível quando olhamos para o quadro acima? Diria que é confundir as expectativas criadas acerca de um programa de trainees estratégico com a realidade de um programa de trainees com ambições de curto-prazo. Tanto para as organizações, quanto para os jovens profissionais.

Façamos, então, um back-to-basics. Mas, antes disso, vale um esclarecimento: Daqui para frente vou me referir sempre ao que chamei (no quadro acima) de programa de trainees estratégico, já que a diferença entre um programa de trainees de curto-prazo e outras formas tradicionais de recrutamento, seleção e treinamento de profissionais não parece marcante o suficiente.

Qual é o propósito de um programa de trainees?

A primeira pergunta a ser respondida é a seguinte: O que se pretende alcançar com um programa de trainees? E, complementarmente: Como saber se ele obteve sucesso?

Se você fizer uma breve pesquisa sobre o assunto, encontrará uma variedade de programas de trainees que definem seus objetivos como algo nas seguintes linhas (com algumas variações):

“O objetivo do programa é atrair, reter e desenvolver talentos para assumirem posições de liderança”

Contratar “talentos” para assumirem posições de “liderança” é muito pouco específico. Afinal, subir nas hierarquias organizacionais (quase) sempre envolve assumir responsabilidades gerenciais. Estamos falando de liderança gerencial em que nível? Mas como saber se os objetivos foram alcançados ou se, pelo menos, a direção parece ter sido acertada? Qual é o horizonte de tempo relevante?

Permita-me um exemplo de propósito bem articulado para um programa de trainees:

“Contratar, hoje, quem presidirá a organização em 20 anos”.

Ou, algo um pouco menos ambicioso, mas com o mesmo senso de direção:

“Contratar, hoje, pessoas que ocuparão cargos de diretoria em 10-15 anos”

Ambos os exemplos satisfazem critérios que considero extremamente importantes:

  1. Deixam explícito que o propósito do programa é garantir a sucessão para posições estratégicas
  2. São específicos e mensuráveis
  3. Têm um horizonte de tempo predefinido
  4. Dependem de muito mais do que de seleção e treinamentos para serem bem-sucedidos

Em suma, a essência dos programas de trainees é contratar hoje pessoas que poderão atuar em níveis altos na organização, dentro de um tempo predeterminado. Os chamados programas de aceleração de carreira (fast-track) têm o mesmo objetivo, mas com um horizonte de tempo mais curto, já que focam uma população com mais tempo de estrada.

E o curto-prazo?

É verdade que os trainees deveriam garantir a sucessão do CEO em 20 anos, mas isso não significa que também não possam cumprir funções importantes no curto-prazo. Muito pelo contrário. Ocupar posições no curto-prazo e ter uma performance mais do que satisfatória é parte do caminho que as pessoas percorrerão para um dia se tornarem diretores ou CEOs. O mais importante é não confundir o caminho com ponto de chegada.

Os critérios de seleção são coerentes?

Se concordamos que o objetivo dos programas de trainees é contratar hoje quem sentará na cadeira de CEO em 20 anos (ou numa cadeira de diretoria em menos tempo), quais são critérios coerentes de seleção? Como encontrar a próxima geração de liderança?

Há dois critérios que são particularmente úteis, sem prejuízo de outros específicos que se queira utilizar:

Capacidade potencial

A função de CEO, por exemplo, envolve lidar com altos graus de complexidade, ambiguidade e incerteza. Portanto, o processo de seleção deve identificar hoje quais pessoas terão capacidade potencial para lidar com esse nível de complexidade, ambiguidade e incerteza, 20 anos à frente. Sim, existe uma metodologia para isso e, para ilustrar o desafio, estamos buscando uma demografia estimada em menos de 1% da população. E, não, isso não é acessível por meio de testes, provas, questionários e dinâmicas de grupo.

Propensão gerencial

Dado que funções estratégicas carregam responsabilidades fundamentalmente gerenciais, o processo de seleção deve identificar aquelas pessoas que têm propensão para desenvolver tais habilidades. Veja bem, falo de propensão e não de competências ou habilidades gerenciais. Afinal, não faria sentido tentar identificá-las em profissionais que ainda não tiveram a oportunidade para desenvolvê-las.

Como criar condições para que os trainees fiquem e se tornem CEOs ou diretores?

Se o processo de seleção de trainees trouxe – mesmo que por acidente – pessoas que satisfazem as duas condições descritas no item imediatamente acima, há cuidados a serem tomados ou seus melhores trainees sairão pela porta atrás de outras oportunidades de trabalho.

Como evitar esse prejuízo? Oferecendo um ambiente com oportunidades de desenvolvimento acessíveis. Se você selecionou bem, encontrará características distintivas nos seus trainees: capacidade potencial crescendo muito mais rapidamente do que a média, uma forte necessidade de autorrealização e motivação por conquistas profissionais relevantes. Basta criar um ambiente que não jogue contra essas pessoas.

Note que não falo de “desenvolver”, mas meramente de remover obstáculos que possam ser intransponíveis para um jovem profissional. Não se trata de criar um programa de treinamento, promover palestras e oferecer um pacote de benefícios atraente. Trata-se de evitar o que tipicamente dá errado.

Programas de trainees – alguns quick-wins:

  • Liderança recebida: Não coloque um trainee para ser gerenciado por alguém que tenha capacidade potencial igual (ou inferior) do que a dele por muito tempo. Essa pessoa, por mais competente que seja no seu trabalho, não conseguirá criar contextos que sejam interessantes para esse jovem profissional, já que enxerga um mundo com menos variáveis e complexidade do que seu subordinado. Assim ele que tiver adquirido as habilidades essenciais da função (o que pode ser bem rápido), encontrar-se-á “desmotivado”. Se esse tipo de situação se arrastar por muito tempo e o trainee não encontrar formas de se movimentar internamente para dar vazão à sua capacidade – ele as procurará! –, a movimentação será externa.
  • Mentoring: Pessoas que têm capacidade para crescer mais rapidamente do que a média precisam de contextos estimulantes para dar significado ao seu trabalho. Por vezes, encontrar-se-ão em situações nas quais seu gerente imediato não agregará valor ao seu trabalho e isso as incomodará. O mentoring recebido de um executivo que já ocupe uma posição de estratégia (CEO ou diretores) pode funcionar para mitigar eventuais problemas com a liderança recebida e para manter uma perspectiva de carreira sempre em pauta. Isso é fácil, custa muito pouco, dá resultados e poucos fazem.
  • Discussões estruturadas sobre pessoas: Um foro no qual o CEO e os diretores de uma unidade de negócios possam discutir (semestral ou anualmente) o progresso de carreira dos trainees e definir ações de desenvolvimento é uma fórmula de sucesso. Isso ajuda a dar visibilidade para esse grupo de pessoas e a facilitar a criação de ações de desenvolvimento, tais como mobilidade e projetos interfuncionais. Quando essas conversas não acontecem, as ações de desenvolvimento acabam sendo escolhidas com base em catálogos de cursos e treinamentos.
  • Meritocracia: Pode até parecer trivial, mas ainda há sistemas organizacionais que não são meritocráticos. Se os trainees estarão expostos, por exemplo, a sistemas de avaliação, reconhecimento, remuneração e promoção que não são baseados em mérito, sua permanência será colocada em risco.

Há uma infinidade de ações que podem ser tomadas para aumentar as chances que um trainee selecionado hoje torne-se CEO em 20 anos ou um diretor em 10. O objetivo não ser exaustivo nesse sentido. E, claro, os exemplos acima não servem apenas para trainees.

Quem é o dono do programa?

Quem é accountable pela a sucessão do CEO e dos diretores? Usualmente o próprio CEO com supervisão do conselho. Esses são os donos – ou principais interessados – do programa de trainees. A simples clareza com relação a esse ponto pode fazer toda a diferença.

O futuro?

Os programas de trainees (agora, sim, falando de forma ampla) devem continuar por aí. O termo já “pegou” e deve continuar sendo aplicado de forma indiscriminada a quaisquer iniciativas de contratação e treinamento de jovens profissionais.

A tendência de substituição de trainees por outros programas também deve continuar. Talvez essas novas iniciativas, que adotam nomes variados, possam resgatar o propósito original dos antigos programas de trainees.

Mas não basta mudar de nome e focar uma faixa etária levemente superior. Se as questões referentes a propósito, critérios de seleção, condições de desenvolvimento e ownership não forem tratadas satisfatoriamente, as frustrações persistirão.

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